O começo desse movimento

Em fevereiro de 2009 um dos integrantes desta Comissão recebeu uma intimação do MPF, sobre irregularidades em obra realizada na Av. Desembargador Hermydio Figueira, no Aterrado, as margens do Rio Paraíba do Sul. Na época pensou que fosse um ato isolado, porém com o decorrer do tempo foi encontrando inúmeras outras pessoas que também haviam sido intimadas. Resolveu então reunir estas pessoas num grupo por ter a consciência da gravidade do problema e por acreditar que a união dos envolvidos contribuiria muito para encontrar-se uma solução satisfatória para todos.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Governo decreta que ‘volta redonda’ do Paraíba não existia

Matéria Publicada no Diário do Vale em 2010/08/12

O Rio Paraíba hoje, com seu traçado formando uma linha curva que deu nome a Volta Redonda

O Rio Paraíba nos idos de 1860 (antes da ponte construída em 1864), em foto da época:


Montagem de como o governo federal diz que era o Rio Paraíba nos mesmos idos de 1860

Aurélio Paiva
 
"O camelo é um cavalo que foi desenhado por um grupo de burocratas"Piada comum no serviço público
Embora conhecida antes de 1800 e fotografada antes de 1864, a famosa linha curva do Rio Paraíba que deu nome a Volta Redonda não existia antes de 1867, segundo decisão da Superintendência de Patrimônio da União (SPU). Pior: não existiu até que fosse feito o aterro no bairro conhecido como Aterrado, o que ocorreu cem anos depois, em 1967. Durante todo este tempo, segundo o mapa traçado pela SPU, o rio tinha não o formato de uma ‘volta redonda', mas sim o formato de um "camelo".

Esta mudança no mapa do Rio Paraíba vai permitir que o governo federal confisque as terras dos moradores da maior parte dos bairros Aterrado e Nossa Senhora das Graças. Eles passarão para a condição de ocupantes de terras da União, tendo que pagar por isso 5% do valor das terras, anualmente, à União, a título de taxa. Aliás, os moradores já começaram a receber uma carta - não registrada - a título de intimação, com dez dias de prazo para apresentar recurso (impugnação) ou se declararem ocupantes do imóvel da União.

O objetivo do governo federal é cumprir, com 130 anos de atraso, a Lei 1.507 de 26 de setembro de 1867 e o Decreto 4.105 de 22 de fevereiro de 1868, ambos assinados por Sua Majestade Imperial Dom Pedro II. Esta legislação determinava uma servidão pública de 15 metros às margens dos rios navegáveis, a partir do ponto da LMEO (Linha Média de Enchentes Ordinárias).

Esta linha média (LMEO) é, na verdade, a margem do rio durante um ano de vazão normal, não computadas as grandes enchentes - as chamadas enchentes extraordinárias. Ou seja, ela traça o curso normal do rio, como aquele que deu o nome a Volta Redonda em razão da linha que produz uma curva perfeita.

Para fazer cumprir a lei após 130 anos, a SPU teria pela frente um desafio: determinar como era a margem do Rio Paraíba em 1867. Neste caso, reza o regulamento que a SPU teria que levantar dados históricos, como livros, história e fotografias, em bibliotecas, prefeituras e até igrejas. Nada disso foi feito.

A SPU, na verdade, se resumiu a mandar fazer um levantamento do solo dos bairros Aterrado e Nossa Senhora das Graças para descobrir o óbvio: que ali foram feitos aterros. O do Aterrado ocorreu em 1967 e o do bairro Nossa Senhora das Graças no início dos anos 60. Antes dos aterros, segundo concluiu a SPU sem qualquer fundamento histórico, a margem do Rio Paraíba ocupava aquelas áreas.

Ou seja, ainda segundo a SPU, os aterros alteraram a margem do Rio Paraíba e deram a ele, então, o formato que deu o nome a Volta Redonda. Só falta a SPU explicar como, quatro décadas antes, em 1926, a cidade se tornou o Distrito de Volta Redonda, e, em 1954, se emancipou com o nome de Município de Volta Redonda. Finalmente, falta explicar por que o povoado já tinha este nome antes de 1800, quando nem Sua Majestade Imperial havia nascido.

Aterros foram feitos para cobrir ‘brejos'
‘Lagoas' artificiais foram criadas por escavações de olaria que tirava argila do local
Uma rápida pesquisa histórica mostra que o aterro dos bairros Aterrado e Nossa Senhora das Graças foram feitos não para empurrar a margem do Rio Paraíba do Sul e criar a sua ‘volta redonda', mas sim para cobrir os brejos profundos existentes no local, que foram produzidos no Século XX e pela ação do homem.

O que aconteceu foi a instalação de uma olaria, no atual bairro Aterrado (antigo bairro Estação Velha), que passou a usar a argila das imediações para fazer tijolos. A olaria, chamada de Fábrica de Produto Cerâmicos, da firma A.Barreiros e Cia. Ltda, foi fundada em 1924, conforme relata o historiador J.B. de Athayde, no seu livro "Volta Redonda - A Cidade do Aço" - publicado em 1954.

A ação da olaria criou gigantescos buracos que viraram verdadeiras lagoas no bairro. Um testemunho do fato encontra-se nos arquivos (com gravação e transcrição) do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas.

Trata-se de um depoimento do primeiro tabelião do município de Volta Redonda, Alan Cruz, cuja sede do cartório, onde a entrevista foi feita, se encontrava exatamente no bairro Aterrado. A entrevista foi realizada em 1999, pouco antes de Alan morrer.

Alan contava a história da construção da CSN e citava o aterramento da Vila Santa Cecília (onde o terreno era barrento), quando foi indagado pela pesquisadora Verena Alberti se é por isso que o local se chama Aterrado. Alan explicou que a área da Vila e do Aterrado foram aterradas por razões diferentes:

- Aqui (no Aterrado) também foi (feito aterro), pois aqui, onde nós estamos, era uma olaria, mas não da siderúrgica, esta aqui era particular. Então isto aqui era tudo cheio de buraco, só de lagoa, porque eles iam tirando a terra para fazer tijolo.


Um dos ‘brejos’ do Aterrado, criados pela exploração de argila para a olaria que ficava no bairro. Em frente, a Av. Paulo de Frontin e o restante de bairro. O Rio Paraíba está ao fundo, com sua mata ciliar preservada

Ponte foi construída em 1864
Obra foi inaugurada três anos antes do ano em que, segundo a SPU, o rio , sem sua ‘volta redonda', ocuparia os bairros Aterrado e Nossa Senhora das Graças

O que o tabelião Alan Cruz disse ao CPDOC - o atual bairro Aterrado era cheio de brejos artificiais - qualquer morador mais antigo da cidade sabe. Como sabe também que isto não impedia o trânsito de pessoas pelo bairro. Afinal, em 1864, a atual Av. Paulo de Frontin, antiga Rua da Ponte, cortava toda a extensão do bairro, indo da ponte de madeira que ligava Niterói ao Aterrado, até o final do bairro, onde ficava a Estação Velha, próximo ao atual Viaduto Nossa Senhora das Graças.

O historiador J.B. de Athayde narra que, em 1862, foi organizada uma sociedade chamada Companhia da Ponte, destinada a construir a ponte entre Niterói e o Aterrado, cobrando taxa de passagem ou pedágio. A companhia era presidida pelo comendador Bernardo José Vieira Ferraz. Em 1864, a ponte foi inaugurada.

Pelos estudos atuais da SPU a ponte não teria razão de ser. Afinal, estaria ligando o bairro Niterói (então povoado de Santo Antônio de Volta Redonda) não ao bairro Aterrado, mas ao leito do próprio Rio Paraíba do Sul. Seria uma ponte sui-generis: as pessoas a atravessariam e desembocariam dentro do rio.

Todos sabem que isto não ocorreu. A ponte sofreu uma série de reformas, em 1876, 1902 e 1918, até cair uma de suas vigas, já em 1947. Em 1949, o governador do Estado, Macedo Soares, iniciou , no mesmo local, a construção da ponte atual (inaugurada em 1951) que tem o mesmo comprimento da velha ponte de madeira que, durante 70 anos, deu passagem à população por sobre o rio, e não para dentro do rio,como quer a SPU.

Aliás, há um amplo acervo fotográfico da ponte desde seus primórdios até os dias atuais. E uma única coisa em comum: em nenhuma delas o Rio Paraíba faz o traçado imaginado pelos técnicos da SPU.

Em 1874 a ponte ganhou até uma linha de bonde com tração animal, como conta J.B. de Athayde. Esta foi a primeira linha de bonde que existiu na localidade e foi ser suprimida em 1918. Ela ligava o bairro Niterói à Estação Velha, cortando todo o bairro sem, em nenhum momento, afundar no Rio Paraíba.


A ponte velha que ligava Niterói ao Aterrado, quando uma de suas partes caiu em 1947


A ponte atual, com a mesma vista da ponte com trilhos: construída no mesmo local e com o mesmo tamanho
 

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